Quando mais precisamos, o Investigador de Fenômenos Paranormais retorna
Há décadas, eles dão forma aos medos que teimamos em ignorar, mas continuam nos assombrando.
Que bom te ver por aqui de novo! Antes de começar, quero agradecer a você, que assina e lê esta newsletter. Embora eu tenha explicado a proposta na primeira edição, nunca comentei o quanto sentia falta de conversar sobre o que assistimos, algo que percebi apenas depois de deixar de escrever e falar sobre cultura pop — em especial, sobre televisão — de forma semiprofissional na internet.
O foco do Profissões Imaginárias é propositalmente restritivo. Diariamente, somos bombardeados por "conteúdo" vindo de todas as direções: centenas de séries lançadas anualmente, distribuídas em dezenas de plataformas de streaming globais. Embora se diga que os algoritmos existem para ajudar a encontrar o que realmente merece nossa atenção, tenho dúvidas sobre sua eficácia. A curadoria humana — e não falo apenas da minha — ainda me parece muito superior. Continuo dependendo de pessoas (sejam elas críticas profissionais ou amigos próximos) para recomendar o que há de melhor para assistir, ler ou ouvir. É com base nessas opiniões que escolho para onde direcionar meu olhar.
Não nego que, ocasionalmente, as sugestões automáticas me surpreendem com boas opções. Eu não sou um ludita! Mas, quando se é programado para capturar a atenção de todos, ao mesmo tempo, em todos os lugares, acho difícil estabelecer uma conversa sincera e focada — um espaço onde sempre encontro as coisas que amo.
Além disso, muitas vezes me sinto paralisado diante de tantas opções, mas escrever uma newsletter com um foco claro e uma tese objetiva tem me ajudado muito!
Por isso, mais uma vez, obrigado por estar aqui comigo.
Poucas séries excelentes foram tão negligenciadas quanto Evil. No ar desde setembro de 2019, o programa, criado pelo casal Robert e Michelle King (The Good Wife, The Good Fight, Elsbeth e BrainDead — sim, BrainDead!), acompanha três investigadores de fenômenos paranormais ligados à Igreja Católica que analisam casos possivelmente sobrenaturais.
A trama ganha corpo quando Kristen Bouchard (Katja Herbers), uma psicóloga forense que trabalha para a promotoria, é contratada pela Igreja Católica para integrar uma equipe formada por um seminarista (David Acosta, vivido por Mike Colter) e um especialista técnico e operador de equipamentos (Ben Shakir, interpretado por Aasif Mandvi). Agnóstica, Kristen aceita o trabalho por necessidade financeira: como principal provedora da família, mãe de quatro meninas e esposa de um alpinista (convenientemente) ausente, ela precisa garantir o sustento geral. Ex-guia de expedições montanhosas, Kristen atua como ponte entre a fé (por vezes cega) de David e o ceticismo (por vezes inflexível) de Ben.
Embora a narrativa tenha evoluído para explorar uma guerra santa entre emissários da Igreja e demônios encarnados — que talvez sejam apenas pessoas extremamente perturbadas —, Evil trouxe, ao longo de suas quatro temporadas, uma renovação muito bem-vinda às histórias de investigadores paranormais na TV. O gênero, que na TV teve um de seus maiores expoentes nos anos 1970 com Kolchak e os Demônios da Noite — sobre um repórter investigando fenômenos estranhos —, alcançou sua forma mais icônica nos anos 1990 com Arquivo X, que transformou Fox Mulder e Dana Scully em símbolos da cultura pop. Em Evil, a profissão imaginária ganhou um viés (discutivelmente) ainda mais relevante e contemporâneo.
Alguns anos antes, Fringe já tinha se esforçado para atualizar o ofício, com Walter, Peter e Olivia investigando mistérios ligados à ciência de ponta enquanto trabalhavam para o FBI. Não por acaso, eles foram pioneiros em adiantar nosso transtorno de ansiedade coletivo com versões alternativas de nós mesmos vivendo em universos paralelos. Porém, Evil foi além ao trazer nossos temores mais “para dentro”, ou seja, refletir nossos medos atuais, de forma bem introspectiva.
Minha hipótese é que — na cultura pop — a profissão de investigador paranormal é um espelho perfeito para as ansiedades do nosso tempo. Se, nos anos 1970, ela estava associada a ameaças invisíveis da Guerra Fria, escândalos políticos e o pânico satânico que faria estrago nos anos 1980, na década de 1990, Mulder e Scully personificavam a desconfiança nas instituições. Apesar de trabalharem para o governo, eles eram testemunhas de conspirações que escondiam verdades do público.
Já em Evil, a desconfiança foi além do governo, focando na própria rede de crenças e valores que nos cercam no século 21. Tecnologia, redes sociais e fake news estão no centro da investigação do trio. A cada caso, Kristen, Ben e David enfrentam não apenas forças externas, mas também dúvidas internas. O maior desafio deles é acreditar em si mesmos e discernir entre o real e o ilusório. Em um mundo de deep fakes e agendas conflitantes, a profissão imaginária ganhou pertinência mais uma vez ao questionar o que é fato e o que é ficção.
Ao longo de 50 episódios, os personagens não apenas resistiram à tentação de ver demônios em todos os lugares — inclusive dentro de si mesmos — como também reforçaram o papel dessa profissão fictícia como um espelho dos nossos tempos.
Evil está disponível na Globoplay.
Na próxima newsletter: E se, em vez de vassouras, as bruxas pilotassem naves espaciais?