O que faz um Joalheiro de Itens Mágicos?
Esse é o começo de uma estranha jornada no conforto do seu e-mail pessoal
Olá!
Eu sou o Denis, e se você recebeu este e-mail, é porque assinou a Profissões Imaginárias, uma newsletter quinzenal sobre ocupações impossíveis da ficção. Primeiramente, obrigado!
Antes de entrar no tema desta primeira edição, gostaria de justificar a existência do meu novo projeto com um e-mail um pouquinho maior do que os próximos, prometo!
Tudo começou nos primeiros anos de faculdade (“meu Deus, ele vai longe!” Não vou, confie em mim!), quando caiu nas minhas mãos um livro do Thomas Mann, comprado barato em um sebo em Santos. Tonio Kröger é uma obra bem curta, uma noveleta sobre um jovem escritor em busca de identidade (não estamos todos?). Embora o livro continue aqui na estante de casa, se você apontasse uma arma para minha cabeça e me pedisse para narrar a história, você teria um cadáver para esconder em questão de 30 segundos. Mas uma frase específica desse livro me marcou para sempre, a ponto de eu carregá-la comigo em cadernos, blocos de anotação e em uma aba do Google Keep até hoje:
"Ele seguia o caminho que deveria seguir, um pouco negligente e sem ritmo, assobiando, com a cabeça inclinada para o lado, olhando para a distância, e, quando errava o caminho, isso acontecia porque para alguns seres não existem caminhos certos. Quando lhe perguntavam o que pensava ser, dava informações contraditórias, pois costumara dizer que trazia em si possibilidades para mil existências, tendo no íntimo o conhecimento de, no fundo, serem tudo coisas impossíveis..."
“Tonio Kröger”, de Thomas Mann
Em uma época em que todo mundo estava se encontrando em sua presente ou futura carreira, eu me sentia completamente fora do caminho. Mas admito que isso sempre foi assim. Desde jovem, quando alguém me perguntava o que eu queria da vida, minha resposta costumava variar entre advogado, arquiteto, super-herói, caçador de vampiros, jornalista, detetive sobrenatural e escritor.
Assim como Tonio, sempre senti que alguns de nós (gostaria de acreditar que a maioria de nós) carregamos "possibilidades para mil existências", todas impossíveis. E isso me motivou a escrever sobre a cultura que consumimos sob a lente das carreiras imaginárias, trabalhos surreais, ocupações que podem até ter base na realidade, mas que, nas mãos de artistas, voam para longe do que consideramos possível.
Entende? Então, vamos nessa!
1. Joalheiro de Itens Mágicos
Antes de começar, um mea culpa: eu não sou um grande conhecedor de Tolkien. Assisti aos seis filmes e estou acompanhando O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder na Amazon Prime Video. Embora eu não tenha muito a dizer sobre a primeira temporada (não amei, mas também não odiei), a segunda me chamou bastante a atenção por ter um foco mais claro nos tais anéis, que fazem grande sucesso na Terra-Média.
Se você está assistindo, sabe que Celebrimbor, o elfo joalheiro que confeccionou os anéis de poder, é uma figura central nesta temporada. Seu papel me fez refletir sobre o que seria necessário para se estabelecer na carreira de joalheiro de itens mágicos. Assim como no nosso mundo, o domínio da forja de diferentes materiais é essencial. Porém, Celebrimbor não só precisa distinguir o ouro do bronze, mas também trabalhar com minérios de propriedades mágicas, como o Mithril, que se assemelha à prata, mas é tão forte quanto o aço.
Além dos metais, o joalheiro precisa ter vasto conhecimento de gemologia, a ciência das pedras preciosas (os três anéis élficos contêm, cada um, uma dessas gemas com propriedades místicas), dominar técnicas de design e possuir uma coordenação motora impressionante para moldar peças tão pequenas e poderosas. Tudo isso parece servir de ingrediente para um trabalho interessante!
Todo esse conhecimento faz de Celebrimbor uma figura brilhante, mas também vaidosa e, certamente, insegura. Do ponto de vista trabalhista, ele parece estar em uma posição confortável: sua oficina faz parte de uma cidade da qual ele é lorde e senhor. Os elfos não precisam de plano de saúde caro, já que vivem, teoricamente, por séculos e não são acometidos por doenças humanas. Além disso, ele não trabalha sozinho; está cercado de aprendizes artesãos, o que o leva a ser constantemente adulado. É nesse contexto que Sauron, a figura das trevas, entra em cena, movendo a história em direção a uma guerra épica. Sauron alimenta o ego de Celebrimbor, o isola e, assim, consegue criar uma coleção inteira de joias mágicas malignas.
A tese da série, nesse segundo arco, parece explorar a maldição de ser um artista — tanto na Terra-Média quanto aqui, na… Terra. É curioso que tenhamos passado uma primeira temporada inteira acompanhando figuras nobres (elfos, anões e humanos), imersas em maquinações políticas e com medo de perder o controle sobre seus respectivos reinos, apenas para agora vermos que foi através do trabalho de um artista que eles conseguiram o poder para se manter coesos. No entanto, como a insegurança de Celebrimbor foi explorada por alguém que deseja a queda desses reinos, seu produto artístico — os diversos anéis — literalmente forjará um novo mundo mergulhado no caos.
Assim como Sauron manipula Celebrimbor ao pilhar sua soberba, a jornada do artista, muitas vezes, envolve um equilíbrio complexo entre genialidade e vulnerabilidade.
Por séculos, quem produz arte tem modelado a história. Muitas vezes, lembramos de passados que não vivenciamos por causa de referências artísticas. O Alan Moore sempre menciona que não sabemos exatamente como era a Inglaterra vitoriana, mas temos uma imagem clara dela através das tramas de Charles Dickens. Mas essa imagem surgiu a partir da visão de um artista que inseriu seus valores e até preconceitos em suas obras, e eles nos influenciam até hoje.
O que me faz pensar: Será que podemos culpar exclusivamente Sauron pelo mal causado pelos anéis, ou as vaidades e medos de quem os forjou também estão embutidos neles? Se quisermos trabalhar como artistas, será que estamos prontos para ver nossas inseguranças se embrenharem em nossas criações?
O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder está disponível na Amazon Prime Video.
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Amei!! Quando eu era mais nova a minha profissão imaginária dos sonhos era colunista de revista que ganha bem